quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Vou-me sentar à janela




vou-me sentar à janela
a ver a vida lá fora.
os meninos do jardim
aquela mulher que passa
o homem que vai embora.
e eu sentada aqui dentro
com um vidro de permeio
vejo os risos que não oiço
sinto os olhos da mulher
presos na pressa do homem
que se cruza no passeio.
a rua é um mar de acasos
de vidas que não se sabem.
tento eu ligar os passos
em qualquer conto inventado
visto através da vidraça.
a chuva esconde os pedaços
da vida que está lá fora
e eu sentada à janela
olhando o que sonho dela.

Novembro 2005

[Pausa. Não exactamente para me sentar à janela]

terça-feira, 30 de outubro de 2007

O feio e o belo




Por vezes existe nas pessoas ou nas coisas um charme invisível, uma graça natural que não pôde ser definida, a que somos obrigados a chamar o «não sei o quê». Parece-me que é um efeito que deriva principalmente da surpresa. Sensibiliza-nos o facto de uma pessoa nos agradar mais do que deveria inicialmente e somos agradavelmente surpreendidos porque superou os defeitos que os nossos olhos nos mostravam e que o coração já não acredita. Esta é a razão porque as mulheres feias possuem muitas vezes encantos que raramente as mulheres belas possuem, porque uma bela pessoa geralmente faz o contrário daquilo que esperávamos; começa a parecer-nos menos estimável. Depois de nos ter surpreendido positivamente, surpreende-nos negativamente; mas a boa impressão é antiga e a do mal, recente: assim, as pessoas belas raramente despertam grandes paixões, quase sempre restringidas às que possuem encantos, ou seja, dons que não esperaríamos de modo nenhum e que não tinhamos motivos para esperar.
Os encantos encontram-se muito mais no espírito do que no rosto, porque um belo rosto mostra-se logo e não esconde quase nada, mas o espírito apenas se mostra gradualmente, quando quer e do modo que quer; pode esconder-se para surgir de novo e proporcionar essa espécie de surpresa que constitui os encantos.



Baron de Montesquieu, in "Ensaio Sobre o Gosto"

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Até o Fim

Intérpretes: Chico Buarque e Ney Matogrosso

domingo, 28 de outubro de 2007

Ainda...




Ainda sabemos cantar

Ainda sabemos cantar,
só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos,
mais amargos,
e um novo gesto é igual ao que passou.

Um verso já não é a maravilha,
um corpo já não é a plenitude.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Tágides



Óleo de Columbano Bordalo Pinheiro

E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi[m] um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mi[m] vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloq[u]o e corrente,
Porque de vossas águas Febo ordene
Que não tenham enveja às de Hipocrene.

Luís de Camões, in Os Lusíadas





Foto by vida de vidro, Esculturas de João Cutileiro

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

The brave one




Até que ponto o medo nos modifica? Até onde faz aparecer o nosso lado negro? Existe em todos nós um estranho pronto a revelar-se? Uma experiência traumática pode levar-nos até ao abismo?
Questões inquietantes a que este filme pretende dar resposta. Mas não dá, na verdade. Talvez porque suaviza o julgamento moral das acções da protagonista. Talvez porque justifica a justiça pelas próprias mãos. Afinal, as suas vítimas até são os maus da fita.
E ela? É o quê? Será o quê, dali para a frente? Gostar, na realidade, para além da interpretação de Jodie Foster, gostei da “mensagem” que o final deixa: nunca mais ela será a pessoa que era dantes. Deixando à nossa consideração aquilo em que se transformará.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

O medo e a esperança



Li no nosso Hecatão que pôr termo aos desejos é proveitoso como remédio aos nossos temores. Diz ele: «deixarás de ter medo quando deixares de ter esperança». Perguntarás tu como é possível conciliar duas coisas tão diversas. Mas é assim mesmo, amigo Lucílio: embora pareçam dissociadas, elas estão interligadas. Assim como uma mesma cadeia acorrenta o guarda e o prisioneiro, assim aquelas, embora parecendo dissemelhantes, caminham lado a lado: à esperança segue-se sempre o medo. Nem é de admirar que assim seja: ambos caracterizam um espírito hesitante, preocupado na expectativa do futuro.
A causa principal de ambos é que não nos ligamos ao momento presente antes dirigimos o nosso pensamento para um momento distante e assim é que a capacidade de prever, o melhor bem da condição humana, se vem a transformar num mal. As feras fogem aos perigos que vêem mas assim que fugiram recobram a segurança. Nós tanto nos torturamos com o futuro como com o passado. Muitos dos nossos bens acabam por ser nocivos: a memória reactualiza a tortura do medo, a previsão antecipa-a; apenas com o presente ninguém pode ser infeliz!



Séneca, in 'Cartas a Lucílio'

domingo, 21 de outubro de 2007

Sozinho

Intérprete: Caetano Veloso

Conhecida demais? Mas linda, sobretudo na voz dele...

sábado, 20 de outubro de 2007

Vida vivida




o que fazemos da nossa vida

nem a nós nos diz respeito

sentimo-la vida vivida

num esboço de destino

retorcido e contrafeito

que nos arrasta sem brilho

em contrapeso no peito

correndo como um menino

retardado na subida

em tropeções sem jeito


Carlos Peres Feio que hoje lança o seu livro "Podiam ser mais"

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Poema de Outono




O vento soprou
Tão doce e sereno
Tocou-me ao de leve
Girou sentimentos
Dormentes, silentes
Que em voo rasante
Tocaram o chão

O fundo da alma
Fez-se de cor de ouro
Castanho ou laranja
Deu frutos já secos
De um doce amargo
Surgiu o Outono
No meu coração.

Setembro 2004

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Villa Lobos

Intérpretes: Zawinul Syndicate e Maria João

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Little girl



Foto by Kenvin Pinardy, Little girl

Irreal, surreal... Fascinante.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Em memória de Adriano





Canção com lágrimas

Poema: Manuel Alegre
Música: Adriano Correio de Olveira


Eu canto para ti um mês de giestas
Um mês de morte e crescimento ó meu amigo
Como um cristal partindo-se plangente
No fundo da memória perturbada

Eu canto para ti um mês onde começa a mágoa
E um coração poisado sobre a tua ausência
Eu canto um mês com lágrimas e sol o grave mês
Em que os mortos amados batem à porta do poema

Porque tu me disseste quem me dera em Lisboa
Quem me dera em Maio depois morreste
Com Lisboa tão longe ó meu irmão tão breve
Que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro

Eu canto para ti Lisboa à tua espera
Teu nome escrito com ternura sobre as águas
E o teu retrato em cada rua onde não passas
Trazendo no sorriso a flor do mês de Maio

Porque tu me disseste quem me dera em Maio
Porque te vi morrer eu canto para ti
Lisboa e o sol Lisboa com lágrimas
Lisboa a tua espera ó meu irmão tão breve
Eu canto para ti Lisboa à tua espera...

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

a flor proibida

Por detrás de cada flor
há um homem de chapéu de coco e sobrolho carregado.
Podia estar à frente ou estar ao lado,
mas não, está colocado
exactamente por detrás da flor.
Também não está escondido nem dissimulado,
está dignamente especado
por detrás da flor.
Abro as narinas para respirar
o perfume da flor,
não de repente
(é claro) mas devagar,
a pouco e pouco,
com os olhos postos no chapéu de coco.
Ele ama-me. Defende-me com os seus carinhos,
protege-me com o seu amor.
Ele sabe que a flor pode ter espinhos,
ou tem mesmo,
ou já teve,
ou pode vir a ter,
e fica triste se me vê sofrer.
Transmito um pensamento à flor
sem mover a cabeça e sem olhar.
De repente,
como um cão cínico arreganho o dente
e engulo-a sem mastigar


Rómulo de Carvalho


a vida é um acumular de estranhas sensações. como será engolir uma flor com espinhos?

domingo, 14 de outubro de 2007

Como os outros nos vêem...



O homem não é mais do que a sua imagem. Os filósofos bem podem explicar-nos que a opinião do mundo pouco conta e que só importa aquilo que somos. Mas os filósofos não percebem nada. Enquanto vivermos entre os seres humanos, seremos aquilo que os seres humanos considerarem que somos. Passamos por velhacos ou manhosos quando não paramos de perguntar a nós próprios como nos vêem os outros, quando nos esforçamos por ser o mais simpáticos possível. Mas entre o meu eu e o do outro, existirá algum contacto directo, sem a mediação dos olhos? Será pensável o amor sem uma perseguição angustiada da nossa própria imagem no pensamento da pessoa amada? Quando deixamos de nos preocupar com a maneira como o outro nos vê, deixamos de o amar.



Milan Kundera, in "A Imortalidade"

sábado, 13 de outubro de 2007

Da ausência




Ausência II

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinicius de Moraes

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

árvore da vida

(...)

Sei perfeitamente que uma árvore é um símbolo
obscuro da nossa vida, principalmente da nossa vida
que não houve. Mas mesmo assim
dentro das ruas, dentro das casas
as árvores têm um outro entendimento
um mistério muito delas
- e não completamente inventados -
pois não desprezam a agonia dos homens, o choro dos homens
o seu riso, a sua fome, os sinais todos
que o Homem podia e devia ter.

Nicolau Saião




só o tempo cura a árvore da vida lascada. ou uma flor que nela se aninhe.




quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Bisavó




Recordações vagas daquela bisavó. Desapareceu no tempo em que eu ainda pensava que algumas pessoas são eternas.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

In a manner of speaking

Intérprete: Nouvelle Vague

Para aqueles que me falaram desta canção a propósito do post "A (re)invenção da linguagem".

terça-feira, 9 de outubro de 2007

luz e sombra

Faz-se luz pelo processo

de eliminação de sombras

Ora as sombras existem

as sombras têm exaustiva vida própria

não dum e doutro lado da luz mas do próprio seio dela

(...)


Mário Cesariny


enquanto na sombra, existe a esperança da luz se revelar.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

House MD

I just loooooove him! Confesso-me absolutamente viciada.

sábado, 6 de outubro de 2007

Um bocadinho de vaidade...

Espera

Esta foto é minha. E estou vaidosa, assim à escala pequenina deste mundinho da net e dos muitos aspirantes a fotógrafos que por aqui andam. Como eu. Sem saber como, entrei nos grupos do Flickr. Um mundo. E, de vez em quando, dá-me para pôr fotos nos concursos que por lá fazem. No concurso com o tema Emotions, no grupo The world through my eyes, esta foto foi uma das duas escolhidas. Podem ver aqui porquê. Desculpem a vaidadezinha...

Indecisão



Os homens indecisos são muitíssimo perseverantes nas suas decisões, sejam quais forem as dificuldades, e isto devido à sua própria indecisão, pois se abandonarem a resolução já tomada será preciso que tomem outra decisão. Por vezes são muito rápidos e eficientes a pôr em prática aquilo que decidiram: porque, receando a todo o momento ser induzidos a abandonar a resolução tomada e voltar àquela angustiosa hesitação e expectativa em que se encontraram antes de se decidirem, apressam a execução e nela aplicam toda a sua energia, mais estimulados pela ansiedade e pela incerteza de triunfarem sobre si próprios, do que pelo objectivo da empresa e pelos outros obstáculos que tenham de vencer para alcançá-lo.



Giacomo Leopardi, in 'Pequenas Obras Morais'

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Darkness... or not



Foto by darkness has fallen


Estranhas atmosferas e perspectivas. Um olhar original.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

O quereres

Intérprete: Maria Bethânia