sábado, 31 de março de 2007

Intervalo de leitura




No meio das palavras, um olhar. Não
por acaso, nem de propósito. O olhar que
resumiu todas as frases e todos
os silêncios. O olhar que as mãos escreveram
uma na outra, quando passaram
por entre gramáticas e dicionários,
e encontraram a única e última
palavra, onde começa e acaba
o amor.


Nuno Júdice , um encontro nos livros e na net.

Foto by Look

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[Intervalo por uns dias. Trabalho, depois descanso. Paz.]

sexta-feira, 30 de março de 2007

As mil faces das mulheres




Foto by Graça Loureiro, All the imperfect things


Nas imperfeições, amamos o toque de loucura e transgressão que nos atrai e desafia.

quinta-feira, 29 de março de 2007

Rudolph Nureyev at The Muppet Show

Um momento inesquecível...

quarta-feira, 28 de março de 2007

O Bom Pastor




A CIA por dentro, com o episódio da Baía dos Porcos como cenário de fundo. Sem glamour, sem aventura, sem os habituais ingredientes dos filmes de espionagem. De um cinzento burocrático e claustrofóbico.
Muitos flashback tentam explicar como se recruta e se faz um pilar da instituição. Um homem que não conseguimos amar nem odiar. Alguém que quase não fala e não dá grandes sinais de humanidade, a não ser com os dois homens que o formam e com o seu maior inimigo.
Uma óptima interpretação de Matt Damon. Nomes como Angelina Jolie, John Turturo, William Hurt e Robert de Niro compõem o cast. Robert de Niro realizou.

segunda-feira, 26 de março de 2007

Abaixo el-rei Sebastião





É preciso enterrar el-rei Sebastião
é preciso dizer a toda a gente
que o Desejado já não pode vir.
É preciso quebrar na ideia e na canção
a guitarra fantástica e doente
que alguém trouxe de Alcácer Quibir.

Eu digo que está morto.
Deixai em paz el-rei Sebastião
deixai-o no desastre e na loucura.
Sem precisarmos de sair o porto
temos aqui à mão
a terra da aventura.

Vós que trazeis por dentro
de cada gesto
uma cansada humilhação
deixai falar na vossa voz a voz do vento
cantai em tom de grito e de protesto
matai dentro de vós el-rei Sebastião.

Quem vai tocar a rebate
os sinos de Portugal?
Poeta: é tempo de um punhal
por dentro da canção.
Que é preciso bater em quem nos bate
é preciso enterrar el-rei Sebastião.

Manuel Alegre


(A propósito de um triste programa de televisão. A propósito da necessidade de “matar” em nós os homens providenciais e “deixar falar na nossa voz a voz do vento”)

Os poetas do Parque (XV)





Auto-retrato

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.


Natália Correia

domingo, 25 de março de 2007

A geometria das cidades e o céu lá tão longe...




Foto by Jeanette Hägglund, Shadow land


(…)
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo
(…)
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há


José Carlos Ary dos Santos

sábado, 24 de março de 2007

Rudolf Nureyev

L'aprés-midi d'un faune

sexta-feira, 23 de março de 2007

Se partires, não me abraces




Se partires, não me abraces -a falésia que se encosta
uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre
e sonha com viagens na pele salgada das ondas.

Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão
das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;
mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,
porque o ar que respiras junto de mim é como um vento
a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces -

o teu perfume preso á minha roupa é um lento veneno
nos dias sem ninguém - longe de ti, o corpo não faz
senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta
as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto
espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.

Se me abraçares, não partas.


Maria do Rosário Pedreira

quinta-feira, 22 de março de 2007

Os poetas do Parque (XIV)




Poeta

Quando a primeira lágrima aflorou
Nos meus olhos, divina claridade
A minha pátria aldeia alumiou
Duma luz triste, que era já saudade.
Humildes, pobres cousas, como eu sou
Dor acesa na vossa escuridade...
Sou, em futuro, o tempo que passou-
Em num, o antigo tempo é nova idade.
Sou fraga da montanha, névoa astral,
Quimérica figura matinal,
Imagem de alma em terra modelada.
Sou o homem de si mesmo fugitivo;
Fantasma a delirar, mistério vivo,
A loucura de Deus, o sonho e o nada.


Teixeira de Pascoaes

quarta-feira, 21 de março de 2007

Anunciação





Surdo murmúrio do rio,
a deslizar, pausado, na planura.
Mensageiro moroso
dum recado comprido,
di-lo sem pressa ao alarmado ouvido
dos salgueirais:
a neve derreteu
nos píncaros da serra;
o gado berra
dentro dos currais,
a lembrar aos zagais
o fim do cativeiro;
anda no ar um perfumado cheiro
a terra revolvida;
o vento emudeceu;
o sol desceu;
a primavera vai chegar, florida.


Miguel Torga

terça-feira, 20 de março de 2007

A felicidade e a monotonia




Em sua essência a vida é monótona. A felicidade consiste pois numa adaptação razoavelmente exacta à monotonia da vida. Tornarmo-nos monótonos é tornarmo-nos iguais à vida; é, em suma, viver plenamente. E viver plenamente é ser feliz.
Os ilógicos doentes riem - de mau grado, no fundo - da felicidade burguesa, da monotonia da vida do burguês que vive em regularidade quotidiana e, da mulher dele que se entretém no arranjo da casa e se distrai nas minúcias de cuidar dos filhos e fala dos vizinhos e dos conhecidos. Isto, porém, é que é a felicidade.
Parece, a princípio, que as cousas novas é que devem dar prazer ao espírito; mas as cousas novas são poucas e cada uma delas é nova só uma vez. Depois, a sensibilidade é limitada, e não vibra indefinidamente. Um excesso de cousas novas acabará por cansar, porque não há sensibilidade para acompanhar os estímulos dela.
Conformar-se com a monotonia é achar tudo novo sempre. A visão burguesa da vida é a visão científica; porque, com efeito, tudo é sempre novo, e antes de este hoje nunca houve este hoje.




Fernando Pessoa, in 'Reflexões Pessoais'

segunda-feira, 19 de março de 2007

À beira de mim




(…)
escavámos um poço
de sal
apagámos os desejos
neste rio inventado
de palavras sós

fico à beira de mim
tecendo águas
no que nunca diremos


Constança Lucas, excerto de Rendas de água

domingo, 18 de março de 2007

Os poetas do Parque (XIII)




Infância

Sonhos
enormes como cedros
que é preciso
trazer de longe
aos ombros
para achar
no inverno da memória
este rumor
de lume:
o teu perfume,
lenha
da melancolia.


Carlos de Oliveira

sábado, 17 de março de 2007

Audrey Hepburn

Porque nunca existiu ninguém como ela...

sexta-feira, 16 de março de 2007

Recordar




Recordar
cumprir esta vontade que se impõe
a que devo obedecer

beber da fonte
um jorro de prazer
um prazer diferente

soltam-se as palavras como notas
que se vão compondo

a cada um
a sua sinfonia

e o belo canto
vou decifrando
na pauta
por enquanto…


Isabel Ruth, in Fotopoesia

quinta-feira, 15 de março de 2007

O labirinto do fauno




O conto de fadas mais "negro" que já vi. Plasticamente belo e com uma linha narrativa simples. Pode a inocência e a magia que lhe está associada combater a violência? Um filme claramente para adultos que não se esqueceram da infância mas que conhecem as terríveis verdades da vida.



Passa-se em: Navarra, Espanha, 1944
Realizador: Guillermo del Toro (México)
Prémios nacionais: Vencedor do Fantasporto
Prémios internacionais: Vencedor de três Óscares para Cinematografia, Direcção artística, Caracterização.

Site oficial

quarta-feira, 14 de março de 2007

Os poetas do Parque (XII)




Paraíso


Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.


David Mourão Ferreira

terça-feira, 13 de março de 2007

A cor dos lugares e dos espaços




Foto by Eléanor Le Gresley


(...) o Sena não está só, estou sobre uma ponte, eu caminho olhando para o rio, a água do rio, a água cinza do rio, eu sigo por um dos lados da ponte, a ponte se alonga de uma margem a outra do Sena, eu caminho de cabeça baixa, a ponte deixa o Sena correr, não olho para a correnteza, tenho sob os olhos a água cinza e larga que passa, eu passo, eu caminho, eu sigo meu rumo (...)




Christophe Tarkos

segunda-feira, 12 de março de 2007

James Dean

Because he still takes my breath away...

domingo, 11 de março de 2007

Tempo é mudança




O tempo é a dimensão da mudança. Sem percepção da mudança, não há e não pode haver percepção do tempo. E as diferentes atitudes para com o tempo são corolários de diferentes atitudes para com a mudança.
(...) Vive-se bem a vida em camaradagem com o tempo, vendo-o como ele é, respeitando as suas obras, inclusive a decadência e a morte, com o passado e com a história. A restauração é uma autodecepção e frequentemente um crime.
(...) O tempo é frequentemente destrutivo - como o são os escultores quando trabalham um bloco de pedra. Mas velhos rostos podem ser mais expressivos que rostos jovens, velhas paredes e esculturas mais ricas que as novas.




Walter Kaufmann, in 'O Tempo é um Artista'

sábado, 10 de março de 2007

Os poetas do Parque (XI)





Confiança

O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura...
E que a doçura
Que se não prova
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova...

Miguel Torga

sexta-feira, 9 de março de 2007

Notes on a scandal




Terrível. Absolutamente “british”. Notável, a caracterização do mundo perfeitamente claustrofóbico de ambas as personagens. E qualquer filme com Judi Dench e Cate Blanchett é imperdível...

quinta-feira, 8 de março de 2007

Anjos mulheres - VI



Foto by Katarzyna Widmanska, E.




As mulheres voam
como os anjos
Com as suas asas feitas
de cristal de rocha da memória
Disponíveis
para voar
soltas...
Primeiro
lentamente uma por uma
Depois,
iguais aos pássaros
fundas...
Nadando,
juntas
Secreta a rasar o
chão
a rasar a fenda
da lua
no menstruo
por entre a fenda das pernas
Às vezes é o aço
que se prende
na luz
A dobrarmos o espaço?
Bruxas
pomos asas em vassouras
de vento
E voamos
Como as asas
lhe cresciam nas coxas
diziam dela
que era um anjo do mar
Rondo alto,
postas em nudez de ombro
se pernas
perseguindo,
pelos espaços,
lunares
da menstruação
e corpo desavindo
Não somos violência
mas o voo
quando nadamos
de costas pelo vento
até à foz do tempo
no oceano denso
da nossa própria voz
Sabemos distinguir
a dormir
os anjos das rosas voadoras
pelo tacto?
Somos os anjos
do destino
com a alma
pelo avesso
do útero
Voamos a lua
menstruadas
Os homens gritam
- são as bruxas
As mulheres pensam
- são os anjos
As crianças dizem
- são as fadas
Fadas?
filigrama cintilante
de asas volteando
no fundo da vagina
Nadamos?
De costas,
no espaço deste século
Mudar o rumo
e as pernas mais ao
fundo
portas por trás
dobradas pelos rins
Abrindo o ar
com o corpo num só golpe
Soltas,
voando
até chegar ao fim
Dizem-nos
que nos limitemos ao espaço
Mas nós voamos
também
debaixo de água
Nós somos os anjos
deste tempo
Astronautas,
voando na memória
nas galáxias do vento...
Temos um pacto
com aquilo que
voa
- as aves
da poesia
- os anjos
do sexo
- o orgasmo
dos sonhos
Não há nada
que a nossa voz não abra
Nós somos as bruxas da palavra


Maria Teresa Horta

quarta-feira, 7 de março de 2007

Os muros




Os muros. Todos
os muros. Um
só muro. E toda
a sede. E todo
o sal
do mar

no peito.



Albano Martins, in "Assim são as algas"

terça-feira, 6 de março de 2007

Carla Bruni




ficheiro retirado

CD: No promises
Som: I felt my life with both my hands
Site oficial: Carla Bruni

segunda-feira, 5 de março de 2007

Os poetas do Parque (X)





Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas
Só tu me acompanhastes súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo
Contigo fui cruel no dia a dia
mais que mulher tu és já a minha única viúva
Não posso dar-te mais do te dou
este molhado olhar de homem que morre
e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente


Ruy Belo

domingo, 4 de março de 2007

Só se possuem eternamente os amigos de quem nos separamos




O amor de alguém é um presente tão inesperado e tão pouco merecido que devemos espantar-nos que não no-lo retirem mais cedo. Não estou inquieto por aqueles que ainda não conheces, ao encontro de quem vais e que porventura te esperam: aquele que eles vão conhecer será diferente daquele que eu julguei conhecer e creio amar. Não se possui ninguém (mesmo os que pecam não o conseguem) e, sendo a arte a única forma de posse verdadeira, o que importa é recriar um ser e não prendê-lo. Gherardo, não te enganes sobre as minha lágrimas: vale mais que os que amamos partam quando ainda conseguimos chorá-los. Se ficasses, talvez a tua presença, ao sobrepor-se-lhe, enfraquecesse a imagem que me importa conservar dela. Tal como as tuas vestes não são mais que o invólucro do teu corpo, assim tu também não és mais para mim do que o invólucro de um outro que extraí de ti e que te vai sobreviver. Gherardo, tu és agora mais belo que tu mesmo.
Só se possuem eternamente os amigos de quem nos separamos.




Marguerite Yourcenar, in 'Sistina'

sábado, 3 de março de 2007

Elis Regina

Som: Águas de Março

(Porque também eu sou água de Março...)

sexta-feira, 2 de março de 2007

Canto do microconto



vantagens de ser rico

Quando a Morte lhe bateu à porta mandou o mordomo dizer que não estava.


torradeira

Ele queimou-se antes de saltar fora. Sexo tórrido entre um pão e uma brasa só podia mesmo acabar assim.


cinzeiro

Desenhava mapas de cinza e apagava os cigarros nos locais que sonhava visitar.


problema de comunicação

O homem que assentou o último tijolo na Torre de Babel não conseguiu falar a língua que Deus lhe destinou porque era mudo. Conhecessem os outros a linguagem gestual e teriam acabado a obra.


dilema moral

Quando descobriram a sua poligamia e o proibiram de ter mais do que uma mulher, deparou-se com o maior dilema da sua vida. Sempre fora moralmente contra o divórcio.


fgs

quinta-feira, 1 de março de 2007

Os poetas do Parque (IX)



ficheiro retirado


Fado português

O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.


José Régio

Interpretado por: Dulce Pontes