sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Hoje, quase fim de ano...

Quem menos acredita que o tempo pode ter estas descontinuidades que originam anos diferentes e tempos diferentes, é quem mais cai nestes balanços de fim de ano. Falo de mim, claro. Deu-me hoje para peregrinar pelos meus blogs que ainda se mantêm activos. Pior. Deu-me para tentar sentir os diferentes ambientes, quase ouvir as vozes das pessoas que neles passaram. Loucura? Talvez. Ou apenas a necessidade de ter a noção do que já disse, do que já senti, de quem já passou pela minha vida. Aqui, no mundo virtual.
Este foi sempre um blog diferente. Até porque foi o único sem comentários. Aqui quis apenas mostrar as diferentes facetas do (meu) ver, ouvir e ler. Como uma montra. Foi, no entanto, um dos que me deu mais prazer criar. Deste, eu levo, neste fim de ano, algum desejo de voltar. Mas é necessário que algumas condições estejam reunidas, para isso. É aí que entra outro cliché. As minhas resoluções de ano novo. :-))

Para quem ainda por aqui passa, um Feliz 2008!

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Paragem

Paragem. Travões às duas pernas. Paul Potts fica por aqui. Se quiserem que ele cante peçam com jeitinho...

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Quando nos dá para a lamechice...

Já aqui falei de Paul Potts e da emoção que a sua voz despertou num video que foi um dos mais vistos no Youtube. Paul lançou o seu primeiro disco e deixo por aqui uma velha canção que sempre me emocionou, talvez porque sou muito mais lamechas do que pareço...





CD: One Chance
Canção: Caruso
Intérprete: Paul Potts

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

A porta (II)

Quando fores embora

Deixa entreaberta a porta do quintal

Não tapes a entrada ao sol da madrugada

Deixa a luz da lua espalhar-se nas paredes

Como se de ti ficasse algum sinal





Junho 2007









ou tranca a porta. para que nenhum vestígio reste. como saber aquilo que é certo se os porquês se penduram no tecto dos dias brancos?


quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Balance

Intérprete: Sara Tavares

Cada vez gosto mais do cantar desta menina...

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Vou-me sentar à janela




vou-me sentar à janela
a ver a vida lá fora.
os meninos do jardim
aquela mulher que passa
o homem que vai embora.
e eu sentada aqui dentro
com um vidro de permeio
vejo os risos que não oiço
sinto os olhos da mulher
presos na pressa do homem
que se cruza no passeio.
a rua é um mar de acasos
de vidas que não se sabem.
tento eu ligar os passos
em qualquer conto inventado
visto através da vidraça.
a chuva esconde os pedaços
da vida que está lá fora
e eu sentada à janela
olhando o que sonho dela.

Novembro 2005

[Pausa. Não exactamente para me sentar à janela]

terça-feira, 30 de outubro de 2007

O feio e o belo




Por vezes existe nas pessoas ou nas coisas um charme invisível, uma graça natural que não pôde ser definida, a que somos obrigados a chamar o «não sei o quê». Parece-me que é um efeito que deriva principalmente da surpresa. Sensibiliza-nos o facto de uma pessoa nos agradar mais do que deveria inicialmente e somos agradavelmente surpreendidos porque superou os defeitos que os nossos olhos nos mostravam e que o coração já não acredita. Esta é a razão porque as mulheres feias possuem muitas vezes encantos que raramente as mulheres belas possuem, porque uma bela pessoa geralmente faz o contrário daquilo que esperávamos; começa a parecer-nos menos estimável. Depois de nos ter surpreendido positivamente, surpreende-nos negativamente; mas a boa impressão é antiga e a do mal, recente: assim, as pessoas belas raramente despertam grandes paixões, quase sempre restringidas às que possuem encantos, ou seja, dons que não esperaríamos de modo nenhum e que não tinhamos motivos para esperar.
Os encantos encontram-se muito mais no espírito do que no rosto, porque um belo rosto mostra-se logo e não esconde quase nada, mas o espírito apenas se mostra gradualmente, quando quer e do modo que quer; pode esconder-se para surgir de novo e proporcionar essa espécie de surpresa que constitui os encantos.



Baron de Montesquieu, in "Ensaio Sobre o Gosto"

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Até o Fim

Intérpretes: Chico Buarque e Ney Matogrosso

domingo, 28 de outubro de 2007

Ainda...




Ainda sabemos cantar

Ainda sabemos cantar,
só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos,
mais amargos,
e um novo gesto é igual ao que passou.

Um verso já não é a maravilha,
um corpo já não é a plenitude.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Tágides



Óleo de Columbano Bordalo Pinheiro

E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi[m] um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mi[m] vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloq[u]o e corrente,
Porque de vossas águas Febo ordene
Que não tenham enveja às de Hipocrene.

Luís de Camões, in Os Lusíadas





Foto by vida de vidro, Esculturas de João Cutileiro

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

The brave one




Até que ponto o medo nos modifica? Até onde faz aparecer o nosso lado negro? Existe em todos nós um estranho pronto a revelar-se? Uma experiência traumática pode levar-nos até ao abismo?
Questões inquietantes a que este filme pretende dar resposta. Mas não dá, na verdade. Talvez porque suaviza o julgamento moral das acções da protagonista. Talvez porque justifica a justiça pelas próprias mãos. Afinal, as suas vítimas até são os maus da fita.
E ela? É o quê? Será o quê, dali para a frente? Gostar, na realidade, para além da interpretação de Jodie Foster, gostei da “mensagem” que o final deixa: nunca mais ela será a pessoa que era dantes. Deixando à nossa consideração aquilo em que se transformará.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

O medo e a esperança



Li no nosso Hecatão que pôr termo aos desejos é proveitoso como remédio aos nossos temores. Diz ele: «deixarás de ter medo quando deixares de ter esperança». Perguntarás tu como é possível conciliar duas coisas tão diversas. Mas é assim mesmo, amigo Lucílio: embora pareçam dissociadas, elas estão interligadas. Assim como uma mesma cadeia acorrenta o guarda e o prisioneiro, assim aquelas, embora parecendo dissemelhantes, caminham lado a lado: à esperança segue-se sempre o medo. Nem é de admirar que assim seja: ambos caracterizam um espírito hesitante, preocupado na expectativa do futuro.
A causa principal de ambos é que não nos ligamos ao momento presente antes dirigimos o nosso pensamento para um momento distante e assim é que a capacidade de prever, o melhor bem da condição humana, se vem a transformar num mal. As feras fogem aos perigos que vêem mas assim que fugiram recobram a segurança. Nós tanto nos torturamos com o futuro como com o passado. Muitos dos nossos bens acabam por ser nocivos: a memória reactualiza a tortura do medo, a previsão antecipa-a; apenas com o presente ninguém pode ser infeliz!



Séneca, in 'Cartas a Lucílio'

domingo, 21 de outubro de 2007

Sozinho

Intérprete: Caetano Veloso

Conhecida demais? Mas linda, sobretudo na voz dele...

sábado, 20 de outubro de 2007

Vida vivida




o que fazemos da nossa vida

nem a nós nos diz respeito

sentimo-la vida vivida

num esboço de destino

retorcido e contrafeito

que nos arrasta sem brilho

em contrapeso no peito

correndo como um menino

retardado na subida

em tropeções sem jeito


Carlos Peres Feio que hoje lança o seu livro "Podiam ser mais"

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Poema de Outono




O vento soprou
Tão doce e sereno
Tocou-me ao de leve
Girou sentimentos
Dormentes, silentes
Que em voo rasante
Tocaram o chão

O fundo da alma
Fez-se de cor de ouro
Castanho ou laranja
Deu frutos já secos
De um doce amargo
Surgiu o Outono
No meu coração.

Setembro 2004

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Villa Lobos

Intérpretes: Zawinul Syndicate e Maria João

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Little girl



Foto by Kenvin Pinardy, Little girl

Irreal, surreal... Fascinante.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Em memória de Adriano





Canção com lágrimas

Poema: Manuel Alegre
Música: Adriano Correio de Olveira


Eu canto para ti um mês de giestas
Um mês de morte e crescimento ó meu amigo
Como um cristal partindo-se plangente
No fundo da memória perturbada

Eu canto para ti um mês onde começa a mágoa
E um coração poisado sobre a tua ausência
Eu canto um mês com lágrimas e sol o grave mês
Em que os mortos amados batem à porta do poema

Porque tu me disseste quem me dera em Lisboa
Quem me dera em Maio depois morreste
Com Lisboa tão longe ó meu irmão tão breve
Que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro

Eu canto para ti Lisboa à tua espera
Teu nome escrito com ternura sobre as águas
E o teu retrato em cada rua onde não passas
Trazendo no sorriso a flor do mês de Maio

Porque tu me disseste quem me dera em Maio
Porque te vi morrer eu canto para ti
Lisboa e o sol Lisboa com lágrimas
Lisboa a tua espera ó meu irmão tão breve
Eu canto para ti Lisboa à tua espera...

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

a flor proibida

Por detrás de cada flor
há um homem de chapéu de coco e sobrolho carregado.
Podia estar à frente ou estar ao lado,
mas não, está colocado
exactamente por detrás da flor.
Também não está escondido nem dissimulado,
está dignamente especado
por detrás da flor.
Abro as narinas para respirar
o perfume da flor,
não de repente
(é claro) mas devagar,
a pouco e pouco,
com os olhos postos no chapéu de coco.
Ele ama-me. Defende-me com os seus carinhos,
protege-me com o seu amor.
Ele sabe que a flor pode ter espinhos,
ou tem mesmo,
ou já teve,
ou pode vir a ter,
e fica triste se me vê sofrer.
Transmito um pensamento à flor
sem mover a cabeça e sem olhar.
De repente,
como um cão cínico arreganho o dente
e engulo-a sem mastigar


Rómulo de Carvalho


a vida é um acumular de estranhas sensações. como será engolir uma flor com espinhos?

domingo, 14 de outubro de 2007

Como os outros nos vêem...



O homem não é mais do que a sua imagem. Os filósofos bem podem explicar-nos que a opinião do mundo pouco conta e que só importa aquilo que somos. Mas os filósofos não percebem nada. Enquanto vivermos entre os seres humanos, seremos aquilo que os seres humanos considerarem que somos. Passamos por velhacos ou manhosos quando não paramos de perguntar a nós próprios como nos vêem os outros, quando nos esforçamos por ser o mais simpáticos possível. Mas entre o meu eu e o do outro, existirá algum contacto directo, sem a mediação dos olhos? Será pensável o amor sem uma perseguição angustiada da nossa própria imagem no pensamento da pessoa amada? Quando deixamos de nos preocupar com a maneira como o outro nos vê, deixamos de o amar.



Milan Kundera, in "A Imortalidade"

sábado, 13 de outubro de 2007

Da ausência




Ausência II

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinicius de Moraes

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

árvore da vida

(...)

Sei perfeitamente que uma árvore é um símbolo
obscuro da nossa vida, principalmente da nossa vida
que não houve. Mas mesmo assim
dentro das ruas, dentro das casas
as árvores têm um outro entendimento
um mistério muito delas
- e não completamente inventados -
pois não desprezam a agonia dos homens, o choro dos homens
o seu riso, a sua fome, os sinais todos
que o Homem podia e devia ter.

Nicolau Saião




só o tempo cura a árvore da vida lascada. ou uma flor que nela se aninhe.




quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Bisavó




Recordações vagas daquela bisavó. Desapareceu no tempo em que eu ainda pensava que algumas pessoas são eternas.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

In a manner of speaking

Intérprete: Nouvelle Vague

Para aqueles que me falaram desta canção a propósito do post "A (re)invenção da linguagem".

terça-feira, 9 de outubro de 2007

luz e sombra

Faz-se luz pelo processo

de eliminação de sombras

Ora as sombras existem

as sombras têm exaustiva vida própria

não dum e doutro lado da luz mas do próprio seio dela

(...)


Mário Cesariny


enquanto na sombra, existe a esperança da luz se revelar.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

House MD

I just loooooove him! Confesso-me absolutamente viciada.

sábado, 6 de outubro de 2007

Um bocadinho de vaidade...

Espera

Esta foto é minha. E estou vaidosa, assim à escala pequenina deste mundinho da net e dos muitos aspirantes a fotógrafos que por aqui andam. Como eu. Sem saber como, entrei nos grupos do Flickr. Um mundo. E, de vez em quando, dá-me para pôr fotos nos concursos que por lá fazem. No concurso com o tema Emotions, no grupo The world through my eyes, esta foto foi uma das duas escolhidas. Podem ver aqui porquê. Desculpem a vaidadezinha...

Indecisão



Os homens indecisos são muitíssimo perseverantes nas suas decisões, sejam quais forem as dificuldades, e isto devido à sua própria indecisão, pois se abandonarem a resolução já tomada será preciso que tomem outra decisão. Por vezes são muito rápidos e eficientes a pôr em prática aquilo que decidiram: porque, receando a todo o momento ser induzidos a abandonar a resolução tomada e voltar àquela angustiosa hesitação e expectativa em que se encontraram antes de se decidirem, apressam a execução e nela aplicam toda a sua energia, mais estimulados pela ansiedade e pela incerteza de triunfarem sobre si próprios, do que pelo objectivo da empresa e pelos outros obstáculos que tenham de vencer para alcançá-lo.



Giacomo Leopardi, in 'Pequenas Obras Morais'

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Darkness... or not



Foto by darkness has fallen


Estranhas atmosferas e perspectivas. Um olhar original.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

O quereres

Intérprete: Maria Bethânia

domingo, 30 de setembro de 2007

à beira de água...


Estive sempre sentado nesta pedra
escutando, por assim dizer, o silêncio.
Ou no lago cair um fiozinho de água.
O lago é o tanque daquela idade
em que não tinha o coração
magoado. (...)

Eugénio de Andrade


à beira de água me quedo. sentindo a cor, saboreando o ruído. ligeiro bálsamo.

sábado, 29 de setembro de 2007

Avó




Um nome herdado de alguém que não conheci. E o rosto. Dizem.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Sobre a bicicleta



Na Holanda. Naturalmente.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

A experiência das pedras

Pedras são árvores
apenas um pouco
mais antigas



Casimiro de Brito




a pedra em si própria se contém. sem amparo ou conforto. a árvore suplica ao céu. inexperiente.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Renúncia



Eu decido correr a uma provável desilusão: e uma manhã recebo na alma mais uma vergastada - prova real dessa desilusão. Era o momento de recuar. Mas eu não recuo. Sei já, positivamente sei, que só há ruínas no termo do beco, e continuo a correr para ele até que os braços se me partem de encontro ao muro espesso do beco sem saída. E você não imagina, meu querido Fernando, aonde me tem conduzido esta maneira de ser!... Há na minha vida um bem lamentável episódio que só se explica assim. Aqueles que o conhecem, no momento em que o vivi, chamaram-lhe loucura e disparate inexplicável. Mas não era, não era. É que eu, se começo a beber um copo de fel, hei-de forçosamente bebê-lo até ao fim. Porque - coisa estranha! - sofro menos esgotando-o até à última gota, do que lançando-o apenas encetado. Eu sou daqueles que vão até ao fim. Esta impossibilidade de renúncia, eu acho-a bela artisticamente, hei-de mesmo tratá-la num dos meus contos, mas na vida é uma triste coisa. Os actos da minha existência íntima, um deles quase trágico, são resultantes directos desse triste fardo. E, coisas que parecem inexplicáveis, explicam-se assim. Mas ninguém as compreende. Ou tão raros...



Mário de Sá-Carneiro, in "Cartas a Fernando Pessoa"

terça-feira, 25 de setembro de 2007

É isso aí

Intérpretes: Ana Carolina e Seu Jorge.

domingo, 23 de setembro de 2007

a olhar o fundo

No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.

(...)

Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.


Sophia de Mello Breyner Andresen




na contemplação dos monstros. no silêncio sem fim do fundo. de mim.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Perfeição




Dói-me a beleza exagerada
a perfeição azul do horizonte
a doce transparência da manhã
que finda a névoa da madrugada.

Julho 2005

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Madonas da Flandres



Sinais de um culto enraizado. Um caminho que se percorre até ao rosto pensativo e sereno da Madona de Michelangelo.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

sem ser...

As árvores no parque

A relva
Cada vez mais verde

A tua voz
Ontem

Alberto de Lacerda


e o desejo de ser sombra. sobre a cor. do silêncio.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Lição sobre a água



Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e alta temperatura,
move os êmbolos das máquínas que, por isso,
se denominam máquinas a vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.

António Gedeão

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Robert Doisneau




Foto by Robert Doisneau, O beijo


Um dos mestres. Um olhar sobre a vida nas ruas de Paris.

Site: Robert Doisneau

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Crepúsculo de Agosto




Dos amigos que perdi
não falo. Sei
que estamos em agosto, mês
dos remos escaldantes, sei
que há lodo sob as algas,
sob a pele. Oblíqua,
sei também, a sombra
cai sobre as oliveiras. É
tempo de içares
tuas velas, de ergueres
teus guindastes
junto ao rio. Disponíveis estão
as luzes; preparadas,
ermas estão as águas.
Preciso de arrumar a casa, rever o sistema, brunir
os móveis e o tacto.
Preciso de opor o tempo ao tempo.
O espaço ao espaço.


Albano Martins

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Douro e à volta...



Doiro

Corre, caudal sagrado,
Na dura gratidão dos homens e dos montes!
Vem de longe e vai longe a tua inquietação...
Corre, magoado,
De cachão em cachão,
A refractar olímpicos socalcos
De doçura
Quente.
E deixa na paisagem calcinada
A imagem desenhada
Dum verso de frescura
Penitente.

Miguel Torga

domingo, 26 de agosto de 2007

Yves Montand

Canção: A Paris

Aqui, a idade já se notava. Mas o charme mantinha-se. Uma das minhas paixões de "jeune fille".

sábado, 25 de agosto de 2007

A flor de lótus




Buda reuniu seus discípulos, e mostrou uma flor de lótus - símbolo da pureza, porque cresce imaculada em águas pantanosas.
- Quero que me digam algo sobre isto que tenho nas mãos - perguntou Buda.
O primeiro fez um verdadeiro tratado sobre a importância das flores.
O segundo compôs uma linda poesia sobre suas pétalas.
O terceiro inventou uma parábola usando a flor como exemplo.
Chegou a vez de Mahakashyao. Este aproximou-se de Buda, cheirou a flor, e acariciou seu rosto com uma das pétalas.
- É uma flor de lótus - disse Mahakashyao. Simples e bela.
- Você foi o único que viu o que eu tinha nas mãos - disse Buda.



Fonte: Contos e parábolas

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Da amizade



É um erro desejar ser compreendido antes de se ser elucidado por si mesmo a seus próprios olhos. É procurar prazeres na amizade, e não méritos. É qualquer coisa de mais corruptor ainda do que o amor. Venderias a tua alma por amor.
Aprende a repelir a amizade, ou melhor, o sonho da amizade. Desejar a amizade é um grande erro. A amizade deve ser uma alegria gratuita como as que a arte ou a vida oferecem. É preciso recusá-la para se ser digno de a receber: ela é da categoria da graça («Meu Deus, afastai-vos de mim...»). É dessas coisas que são dadas por acréscimo. Toda a ilusão de amizade merece ser destruída. Não é por acaso que nunca foste amado... Desejar escapar à solidão é uma cobardia. A amizade não se procura, não se imagina, não se deseja; exercita-se (é uma virtude). Abolir toda esta margem de sentimento, impura e enevoada. Schluss!
Ou melhor (pois não é necessário desbastar-se a si mesmo rigorosamente), tudo o que, na amizade, não passe por alterações efectivas deve passar por pensamentos ponderados. É absolutamente inútil privar-se da virtude inspiradora da amizade. O que deve ser severamente proibido, é sonhar com os prazeres do sentimento. É corrupção. E é tão estúpido como sonhar com a música ou com a pintura. A amizade não se deixa afastar da realidade, tal como o belo. E o milagre existe, simplesmente, no facto de que ela existe.


Simone Weil, in 'A Gravidade e a Graça'

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Corpo de bruma



Talvez me encontres hoje
entre as brumas da paisagem
água do rio que pressentes
beijando a orla da margem.
Talvez me toques hoje
no manto do nevoeiro
rocha no meio do desvio
repouso do corpo inteiro.
Talvez o sol desperte
e a luz indique o caminho
para os meus braços de bruma
fonte eterna de carinho.

Novembro 2006


Foto: S. Miguel, Açores, Lagoa das Furnas

Pour faire le portrait d'un oiseau




Peindre d'abord une cage
avec une porte ouverte
peindre ensuite
quelque chose de joli
quelque chose de simple
quelque chose de beau
quelque chose d'utile
pour l'oiseau
placer ensuite la toile contre un arbre
dans un jardin
dans un bois
ou dans une forêt
se cacher derrière l'arbre
sans rien dire
sans bouger...
Parfois l'oiseau arrive vite
mais il peut aussi mettre de longues années
avant de se décider
Ne pas se décourager
attendre
attendre s'il le faut pendant des années
la vitesse ou la lenteur de l'arrivée de l'oiseau
n'ayant aucun rapport
avec la réussite du tableau
Quand l'oiseau arrive
s'il arrive
observer le plus profond silence
attendre que l'oiseau entre dans la cage
et quand il est entré
fermer doucement la porte avec le pinceau
puis
effacer un à un tous les barreaux
en ayant soin de ne toucher aucune des plumes de l'oiseau
Faire ensuite le portrait de l'arbre
en choisissant la plus belle de ses branches
pour l'oiseau
peindre aussi le vert feuillage et la fraîcheur du vent
la poussière du soleil
et le bruit des bêtes de l'herbe dans la chaleur de l'été
et puis attendre que l'oiseau se décide à chanter
Si l'oiseau ne chante pas
C'est mauvais signe
signe que le tableau est mauvais
mais s'il chante c'est bon signe
signe que vous pouvez signer
Alors vous arrachez tout doucement
une des plumes de l'oiseau
et vous écrivez votre nom dans un coin du tableau


Jacques Prévert

_______________________________

Obrigada à amiga que me enviou o link.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

A igreja




À beira da lagoa, cresceu o amor entre as pedras e as plantas, por entre sol e neblina. No silêncio da pedra, brotam plantas que só revelam a igreja a quem a procura, numa peregrinação em busca da beleza.




Foto: S. Miguel, Açores, Igreja de Nossa Senhora das Vitórias, à beira da Lagoa das Furnas

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Lord Of The Dance

A beleza da música e dança celta. O génio de Michael Flatley



Site oficial: Lord of the dance

domingo, 19 de agosto de 2007

Distância



Recordações de auréolas
no espelho do céu se envolvem
em louros de espuma
deslizando sobre facas brilhantes.
no amanhecer deste silêncio frustrante.
Camisa lavada com sabão de dor
estendida ao sol.

Água salgada atropelando
a distância entre duas vozes,
e o som de um lago vazio
se alongando no peito.

Distância entre um beijo de despedida
e um olhar orvalhado.
Tudo
o resto ficará
vertido num lenço branco.
Depois de lavado
estender-se-á ao sol...

Eduardo Pinto, poeta açoriano

Foto: S. Miguel, Açores, o mar na Ribeira Grande

sábado, 18 de agosto de 2007

Livre




É mais difícil ser livre do que puxar a uma carroça. Isto é tão evidente que receio ofender-vos. Porque puxar uma carroça é ser puxado por ela pela razão de haver ordens para puxar, ou haver carroça para ser puxada. Ou ser mesmo um passatempo passar o tempo puxando. Mas ser livre é inventar a razão de tudo sem haver absolutamente razão nenhuma para nada. É ser senhor total de si quando se é senhoreado. É darmo-nos inteiramente sem nos darmos absolutamente nada. É ser-se o mesmo, sendo-se outro. É ser-se sem se ser. Assim, pois, tudo é complicado outra vez. É mesmo possível que sofra aqui e ali de um pouco de engasgamento. Mas só a estupidez se não engasga, ó meritíssimos, na sua forma de ser quadrúpede, como vós o deveis saber.




Vergílio Ferreira, in 'Nítido Nulo'

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Breaking and entering




Falamos de assaltos. De conseguir forçar uma entrada. Filme de polícias e ladrões? Longe, muito longe disso. Filme sobre a complexidade dos sentimentos, das relações. Do nosso íntimo. De como somos divididos entre a luz e a sombra. De como amamos de formas diferentes. E de quão difícil é “tocar” o outro, sabê-lo. Entering? No way.

Filme de 2006. Anthony Minghella, realizador com créditos mais que firmados Excelentes interpretações de Jude Law e Juliette Binoche. Robin Wright Penn tem altos e baixos numa complexa personagem que exige contenção e explosão emocional. A contenção está lá (talvez até demais…). A explosão emocional falha.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Sobre o corpo da mulher...




Foto by Al Calkins, Bendover back

Todo um trabalho especial sobre as fotos de nu no feminino.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Ponta Delgada




OCEANO NOX


Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o voo dum pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que ideia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...


Antero de Quental-nasceu e morreu em Ponta Delgada. Suicidou-se num banco debaixo da âncora que aparece numa das fotos.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Let Me Fall

Performed by Le Cirque du Soleil

domingo, 12 de agosto de 2007

Torga - 100 anos




São Leonardo da Galafura

À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.

Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.

Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!

Miguel Torga


Foto: o Douro visto do Miradouro de S. Leonardo da Galafura

Género e Cidadania nas Imagens de História



Podemos pois afirmar que as representações estereotipadas do que é ser mulher e ser homem estão presentes (…). Consideramos que há uma associação implícita das figuras masculinas a papéis activos que se concretizam na esfera pública, através das intervenções político-militar e financeira, ligadas à tomada de decisão (…). A presença das figuras masculinas em todas as esferas traduz-se no exercício de uma diversidade de papéis, a qual pressupõe uma igual diversidade de capacidades e competências. (…) Em contrapartida, a sistemática subrepresentação das mulheres, cuja visibilidade se associa quase sempre a elementos masculinos, sugere a sua dependência bem como a ausência de autonomia como indivíduo. (…)
Nos materiais que analisámos, os rapazes podem identificar-se facilmente com o tipo de protagonismo histórico, colectivo e individual, apresentado pelas imagens, podendo aderir aos modelos de pessoa a que correspondem as personalidades históricas, pois situam-se sempre no seu grupo de pertença sexual. (…) O mesmo não se pode dizer das raparigas, face a uma história androcêntrica que secundariza as mulheres ou as silencia. Em vez do reforço da identidade enquanto colectivo feminino, as raparigas confrontam-se com modelos masculinos que actuam em áreas que não lhes estão associadas, de acordo com determinadas concepções do que é ser mulher. As raparigas são levadas a tomar como referência os modelos masculinos, bem como as suas características e atributos. (…) Esta hipótese parece ser corroborada pelas alterações do modo de vida das mulheres e dos homens. A presença das mulheres em esferas tradicionalmente entendidas como masculinas não tem sido acompanhada pela correspondente presença dos homens nas áreas consideradas mais apropriadas às mulheres.




Maria Teresa Alvarez Nunes, in "Género e Cidadania nas Imagens de História", Estudos de Manuais Escolares e Software Educativo, ed. CIG, Lisboa 2007

sábado, 11 de agosto de 2007

A raiz do orvalho




Sou agora menos eu
e os sonhos
que sonhara ter
em outros leitos despertaram

Quem me dera acontecer
essa morte
de que não se morre
e para um outro fruto
me tentar seiva ascendendo
porque perdi a audácia
do meu próprio destino
soltei ânsia
do meu próprio delírio
e agora sinto
tudo o que os outros sentem
sofro do que eles não sofrem
anoiteço na sua lonjura
e vivendo na vida
que deles desertou
ofereço o mar
que em mim se abre
à viagem mil vezes adiada

De quando em quando
me perco
na procura a raiz do orvalho
e se de mim me desencontro
foi porque de todos os homens
se tornaram todas as coisas
como se todas elas fossem
o eco as mãos
a casa dos gestos
como se todas as coisas
me olhassem
com os olhos de todos os homens

Assim me debruço
na janela do poema
escolho a minha própria neblina
e permito-me ouvir
o leve respirar dos objectos
sepultados em silêncio
e eu invento o que escrevo
escrevendo para me inventar
e tudo me adormece
porque tudo desperta
a secreta voz da infância

Amam-me demasiado
as coisas de que me lembro
e eu entrego-me
como se me furtasse
à sonolenta carícia
desse corpo que faço nascer
dos versos
a que livremente me condeno


Mia Couto