Príncipe
by Murat Harmanliki
Príncipe:
Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios pálpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
Beijava os teus olhos por dentro
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.
São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me
Ana Hatherly, in "Um Calculador de Improbabilidades"
1 comentário:
Querida Amiga Vida de Vidro,
Este príncipe é de facto muito importante. Parabéns pela publicação de tão belo poema.
Aqui o príncipe é a inocência com que não conseguimos ter quando olhamos. A inocência da infância, da criança que já começa a ser ridicularizada de tanto ser falada e não compreendida.
Se fizessemos o exercício de observarmos, APENAS OBSERVARMOS, e prestarmos atenção a nós que observamos, àquilo que estamos a observar e ao próprio processo de observação, descobriríamos dentro de nós aquela estrutura que está ligada à CONSCIÊNCIA UNIVERSAL e que nos fornce todas as indicações que necessitamos.
Muitos parabéns pelo bom gosto.
Um dia bom
José António
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